Thursday, October 19, 2006

Saturday, October 07, 2006

Saber, para depois criticar


Tenho um problema muito grande com pessoas que em tudo querem opinar, ainda que sobre o assunto tenham apenas uma vaga noção, ou melhor, somente um "ouvir dizer". Criticam veementemente o que não conhecem, e ainda fazem pose de "PHD".

Ontem tive uma discussão de horas com um sujeito que "achava" saber tudo sobre Kelsen. Eu não sei sobre este autor nem um décimo do que gostaria, mas meu interlocutor nem noção do que estava falando tinha. Iniciou com a crítica costumeira, ou seja, a de que para kelsen o Direito estaria resumido à norma e, portanto, em última instância, o objetivo do autor seria o de validar cientificamente o caos social (e juridico).

Quem faz uma critica desta nunca entendeu Kelsen. E vou além, nunca leu nada escrito por este autor. Kelsen escreve de Direito, principalmente quando trata do problema da justiça, como se estivesse fazendo poesia, é algo de extrema beleza e que, longe de querer validar o caos, busca apenas o pluralismo.

Deixando de lado a poesia dos escritos sobre justiça, no campo da Ciência o que Kelsen trouxe para o Direito, ao contrário do que meu debatedor disse ontem, não foi o caos, mas a ordem. Usarei um exemplo que li outro dia que consegue resumir a intenção de uma Ciência do Direito:

Imagine uma mesa redonda na qual são convidados para proferir palestra um jurista, um antropólogo, um sociólogo, um cientista político, um filósofo e um historiador. Iniciada a palestra, ao invés de cada um falar a seu tempo, todos começam a falar ao mesmo tempo, fazendo com que o público, além de estupefado, não consiga entender absolutamente nada, eis que a desordem verborrágica é reinante...este é o mundo jurídico antes de Kelsen: uma desordem! Todos queriam falar sobre o direito ao mesmo tempo e, dependendo da opinião, ou ponto de partida, o resultado final seria completamente diverso e, muitas vezes, contraditório.

Kelsen trouxe a ordem. Nunca proibiu a análise do antropólogo, do sociólogo, do cientista político, do filósofo ou do historiador, apenas disse que tais ramos não eram o do jurista, sob pena de, aí sim, termos o caos jurídico instalado. Os juízos de valor devem ocorrer sim, mas não é este o papel do cientista do Direito!

Meu caro amigo de ontem...só posso pedir para que leia kelsen e então entenderá o meu fascínio...e, principalmente, verá a grandiosidade do pensamento kelseniano!

A difícil arte de ensinar...



O professor, muito além de repetir fórmulas, conceitos e teorias prontas, deve encorajar, sustentar e chamar o aluno para o conhecimento. Não conheço uma única mãe que tenha ensinado seu filho a andar ou comer abrindo um livro sobre "os primeiros anos do bebê" para que ele aprendesse. A mãe, educadora nata, não usa fórmula, ela incentiva, faz com que o bebê acredite que ele consegue caminhar sozinho.

Professor fala com o olhar; ajuda com um sorriso; e ensina ao compreender e acreditar que o aluno é capaz!

Poucas coisas já me deram tanto prazer como o fato de poder ensinar, mas além de me preocupar com os conceitos (nem sempre bem formulados em Direito) e com as teorias (muitas vezes contraditórias), procuro mostrar para meus alunos que eu acredito neles, ainda que nem eles mesmos acreditem! Isso é o que considero verdadeiramente ensinar, pois o resto... é só abrir o livro!

Ensinar para quem não deve aprender...


"A burrice é muito útil do ponto de vista político e social. Aldous Huxley afirma que a estabilidade social do Admirável Mundo Novo se devia aos mecanismos psicopedagógicos cujo objetivo era o de emburrecer as pessoas. A educação se presta aos mais variados fins. Pessoas inteligentes, que vivem pensando e tendo idéias diferentes, sao perigosas.

Ao contrário, a ordem político-social é mais bem servida por pessoas que pensam sempre os mesmos pensamenos, isto é, pessoas emburrecidas. Porque ser burro é precisamente isso, pensar os mesmos pensamentos, ainda que sejam pensamentos grandiosos. Prova disso são as sociedades das abelhas e das formigas, notáveis por sua estabilidade e capacidade de sobrevivência". (Casas que emburrecem - Correio Popular 09/04/2000).

Acho que não precisa dizer mais nada...

Wednesday, August 02, 2006

Relações de consumo


A globalização é muito mais que a economia de mercado, os grandes negócios transnacionais e a massificação cultural advinda de tudo isto. Ela traz consigo conseqüências humanas relevantes, que vão desde a pobreza e a miséria tornadas comuns e inexoráveis até a mercantilização das relações afetivas.
Em um mundo no qual consumir se tornou a palavra de ordem, absolutamente nada que não estiver intimamente ligado a tal verbo é considerado útil. A saúde do capitalismo depende de forma crucial do homem consumidor e, de preferência, de um consumidor incapaz de fazer qualquer valoração acerca da necessidade ou não no ato de consumir.
As relações afetivas não passam ilesas às exigências do mercado: é preciso consumir! Nenhuma relação pode ser fadada ao perpétuo, nem as com os objetos – propriamente ditos – nem as relações entre pessoas, sob pena de haver um sério corte na cadeia consumidora.
Dentro desta perspectiva, pessoas se tornam coisas, relações íntimas se transformam em meios, nem sempre hábeis, para a busca de satisfação imediata de um desejo que nem mesmo os envolvidos conseguem entender suas razões.
A globalização trouxe para o seio das famílias uma tendência ao consumismo desenfreado, não valorativo, no qual pessoas são descartadas dentro da mesma lógica de uma economia de mercado.
A economia de mercado produz o efêmero, o precário, o volátil. Nenhuma relação com objetos deve ser feita para durar, caso contrário, o mercado se estagnaria e o capitalismo estaria condenado ao fim. É preciso criar desejos, conceber o inconcebível, satisfazer o agora para então, novamente, demonstrar que existe um mundo novo de possibilidades as quais aqueles que se mantiverem de fora estarão condenados a não ter. E, “não ter” significa não estar inserido, ser marginal. Adjetivos estes que ninguém quer possuir dentro desta "roda que nunca pára".
A sociedade de consumo deve ser composta por pessoas impacientes, impetuosas e indóceis que deverão ser facilmente instigáveis para perderem o interesse no objeto o mais depressa possível, eis que a cultura da sociedade de consumo deve ser baseada no esquecimento e não no aprendizado.
As relações tornam-se um constante poema de Walt Whitman “Canto da Estrada Aberta”, no qual não é permitido permanecer, ainda que sejam doces e aconchegantes os “armazéns”.
O estarrecedor deste novo mundo é que as pessoas passam a agir assim sem nem mesmo saberem o porquê de suas atitudes: agem como compulsivos e mascaram sua compulsão sob o nome de vontade. Acreditam fielmente que são elas que escolhem, quando, na verdade, não passam de iscas de um sistema frio e desprovido de sentido humano.
A relação com o mundo torna-se algo puramente estético, sem qualquer valoração: não importa o que ficou para trás, importante é o que virá logo após, ali sim, reside toda a felicidade para o homem do consumo.

Saturday, July 29, 2006

Deus, novamente a bola da vez...


Novamente Deus é "bola da vez". Na Idade Média Ele justificava a necessidade da fogueira, do esbulho e da opressão, nos tempos atuais, passou a justificar o que eu considero a mais profunda barbárie: a guerra.

Eu não acredito nos jornais! Precisava ver de perto, aliás, sentir de perto, para, assim, constituir alguma propriedade em meu falar. Como não posso, fico aqui filtrando o que me chega e tentando entender o ininteligível.

O Holocausto, não sei por quais razões, eis que não tenho parentesco algum com os judeus, sempre foi algo que me incomodou. Desde o momento que tomei conhecimento daquelas atrocidades, nunca mais me vi possibilitada de ignorá-las. Sempre que me perguntam sobre algo comovente, que me faz parar para pensar, o holocausto (com letra minúscula mesmo), é a primeira coisa que vem a cabeça: eu não consigo acreditar que tudo aquilo aconteceu e NINGUÉM fez absolutamente nada!

Chego a infeliz conclusão que as pessoas que viveram naqueles tempos não se davam conta do horror e, assim, continuavam suas vidas como nada houvesse de estranho ou impróprio. E o mais terrível é que estou quase admitindo que estamos vivendo uma fase bem parecida, só que, como estamos inseridos no contexto histórico, não temos habilidade para ver e, assim, fazer parar antes que a geração futura nos olhe como eu olho para a passada: como passivos que só se preocupavam consigo.

Israelenses estão dizimando Palestinos et al e, em contrapartida, Palestinos et al estão dizimando Israelenses - a única novidade aqui em relação ao holocausto é a bilateralidade...

Hitler queria uma raça ariana, pois achava que esta era superior a qualquer outra; Israelenses e Palestinos et al querem território, e acreditam que em nome disto podem lançar mão de qualquer ato. A mesma intolerância que marcou o holocausto, é a viga mestra dos conflitos no Oriente Médio.

A consideração pela humanidade do outro, implica em aceitarmos a diferença que nele reside; e aceitar a diferença não significa ignorar, pois se cada um persiste em manter seu irredutível círculo de "absolutos", a diferença nunca será vencida e o fim será a guerra.

E quando ela acontece, Deus é chamado para legitimar o conflito que ocorre unicamente em função da intolerância. Dá-se o nome de santa a uma guerra que luta apenas pela universalização, seja dos valores, da cultura, do consumo ou da própria crença. Uma guerra na qual ser compreensivo e aceitar o diálogo, a despeito das discordâncias ou antagonismos, é algo que chega a parecer surreal...

Monday, July 17, 2006

A vida é cheia de som e fúria



Ontem fui assistir a uma peça que realmente vale a pena (dentre as tantas que não valem). Foi apresentada no Grande Teatro do Palácio das Artes e se chama "A vida é cheia de som e fúria".

É uma verdadeira viagem musical pelo pop rock internacional dos anos 70 e 80. Conta a história de um DJ londrino que revive seus amores e as músicas que marcaram o tempo destes relacionamentos. Além de oferecer diálogos extremamente ricos, a peça é uma verdadeira aula sobre o rock.

O ator brilha no palco e tem uma atuação ímpar. O cenário e os efeitos visuais são ótimos e as músicas...perfeitas!

A peça faz parte do circuito cultural do Banco do Brasil, que está trazendo a Minas no mês de julho, além do dito espetáculo, várias exposições, como a de Picasso, shows, mostras de cinema e entretenimento. É admirável ver como o Palácio das Artes estava lotado ontem...dá orgulho de ser mineira!

Friday, July 14, 2006

Dono da verdade (existe verdade?)


Tem horas que eu me espanto com o ser humano! Ontem fui fazer uma audiência e fiquei constrangida pela forma como o nobilíssimo juiz tratou as testemunhas.

Era uma ação de usucapião e eu precisava demonstrar que o tempo de permanência do meu cliente no imóvel, somado com as posses anteriores, perfazia o lapso temporal exigido pela lei para concessão do direito. Arrolei três testemunhas que haviam sido posseiras do imóvel antes do meu cliente. Eram três senhores, com idades variando entre 75 e 69 anos.

Como é do conhecimento de qualquer pessoa dotada de inteligência mediana, a idade faz com que a elaboração do raciocínio se torne mais lenta e, em alguns casos, um pouco mais confusa. Entretanto, o excelentíssimo juiz de direito da comarca de Betim/MG não deve ter conhecimento de tal fato, uma vez que tratou os três senhores de forma vergonhosa.

Disse a um deles (o de 75 anos) que ele não tinha que "achar" nada, pois ali não era mesa de "buteco" e, portanto, que ele deixasse suas mentiras para tais ocasiões. A outro (o de 71 anos), de modo áspero e rude, ordenou que se atesse a pergunta feita e parasse de fazer rodeios.

Nestas horas eu perco um pouco a esperança no homem...o mínimo que podemos esperar de juiz é compreensão, pois ele foi o "eleito" para dirimir conflitos e não os ignorar ou, pior ainda, os criar...

Saturday, July 01, 2006

Tolerância: o caminho para a paz



O homem desenhado por Dostoiévski no livro "Memórias do Subsolo" nos demonstra o tamanho da pretensão humana em estabelecer um ideal de justiça que se queira válido para todos. Freud, citado por Eugène Enriquez, também nos dá um esboço parecido sobre o tema:

“o homem é, com efeito, tentado a satisfazer sua necessidade de agressão à custa do próximo, a explorar o seu trabalho sem compensá-lo, a usá-lo sexualmente sem seu consentimento, a apropriar-se de seus bens, a humilhá-lo, a impor-lhe sofrimentos, a martirizá-lo e a matá-lo. Homo homini lupus: quem teria coragem, diante de todos os ensinamentos da vida e da história de contrariar esse adágio?”[1]

É este homem, tanto o da literatura dostoieviskiana, quanto o dos estudos psicanalíticos de Freud, que tenta buscar em suas teorias um ideal absoluto de bom, de justo, de virtuoso, entretanto, nem ele mesmo sabe se seria verdadeiramente capaz de se comportar conforme tenta prescrever.
Aceitar o relativismo de valores proposto pelo Jurista e Filosofo Hans Kelsen é o mesmo que afirmar que todo e qualquer princípio de justiça pode e deve ser aceito, pelo menos a priori. Aquele que concebe um ideal absoluto de justo estará fazendo parte da crença ingênua de que somente seu ponto de vista ou seus valores são parte da história cultural de todo um povo. Não admitir o pluralismo de valores e, conseqüentemente dos princípios de justiça é, em última instância, negar a própria essência contraditória do homem.
Ser relativista no que se refere aos princípios de justiça é ser tolerante e a tolerância impõe que formalmente devemos respeitar a diferença, ainda, e principalmente, quando ela não é por nós compartilhada.
Recusar a diferença seria o mesmo que cair em um narcisismo mortífero e destrutivo, no qual o outro deixaria de ser o nosso espelho, e com isto nossa medida, para tornar-se um inimigo a ser combatido. Se todo ser humano deve contribuir para a vida do espírito, conforme acreditava Freud, sob pena “de cair vítima de uma doença esterelizante e mutiladora ou, pior ainda, de tornar-se o arauto do mais radical, deve ver no outro um ser que, embora diferente,”[2] é indispensável à sua própria existência.
Um princípio de justiça relativo é aquele que permite o pluralismo por meio da tolerância: que prefere Eros a Tanatos. E este é o caminho apontado por Kelsen, o caminho que devemos seguir.

[1] NOVAES, Adauto (Coord.). Civilização e Barbárie. p.53.
[2] NOVAES, Adauto (Coord.). Ob. cit. p.53.