Monday, June 14, 2010

O Belo no livro "O Idiota"

Dostoievski, não por acaso um dos meus escritores prediletos, em seu livro “O Idiota”, dá-nos um belo exemplo de como um homem pode ser verdadeiramente Belo. Michkin, o príncipe, personagem principal da narrativa, é alguém isento de individualismo ou egoísmo e busca através do conhecimento de si e do reconhecimento do “outro”, o Belo.
Por seu caráter, Michkin representa o homem em seu lado mais Belo. Aquele que não se importa com a maneira pela qual será julgado pelos outros, desde que coloque acima de tudo os bens supremos do espírito e suas potencialidades.
O Príncipe pode ser compreendido como a união de Dom Quixote, no que se refere ao apego à justiça e a bondade; e Cristo–homem, capaz da mais imensa ternura e também de grande indignação, face ao injusto. Para entender Michkin é preciso usar os caminhos traçados por Platão para o verdadeiro entendimento do Belo.
A idéia de Belo em Platão distancia-se da nossa concepção vulgar de belo. O Belo platônico representa o que há de mais elevado que a condição mortal pode atingir: algo como o homem aproximar-se dos deuses.
Não é projeto fácil compreender o livro em sua beleza essencial, pois na modernidade esta idéia de Belo foi falsificada em nome de uma equivocada realização pessoal. O homem moderno constrói “castelos” que nada tem a ver com seus talentos, hasteando bandeiras que nunca o pertencerão, mas que, inevitavelmente lhes são entregues como se fossem suas.
O Belo platônico ensina a buscar uma verdadeira realização; realização esta que é guiada pelo verdadeiramente Belo. A busca existencial deve ir em direção daquilo que se é, ou seja, dos talentos individuais de cada ser, que são o motor que deve guiar a vida. A beleza da vida perde-se quando há o desvio do Belo.
A beleza da vida está em sentir-se plenamente senhor de si; e tornar-se senhor de si é o grande projeto a ser seguido, pois somente este assenhoramento pode fazer com que as potencialidades individuais possam ser plenamente atingidas.
Estar em harmonia consigo é a grande questão que o Belo de Platão nos coloca, não importando se o que se deseja não é lucrativo ou bem avaliado socialmente.
A angústia da modernidade está em não suportar a idéia de feiúra, todavia, sem sabê-lo; mas não esta idéia de feiúra puramente egocêntrica, pois o verdadeiro Belo independe da aparência física, mas sim, é completamente dependente da busca do que há de mais Belo em cada um de nós.
Portanto, não se trata de um belo egóico, pois o verdadeiramente Belo não reside nas aparências, mas construído a partir da busca dos talentos pessoais.
O Belo em Platão pode ser resumido pela busca do nobre, do bom e do justo, que tem a ver com a busca dos talentos pessoais. E, neste sentido, o Belo transcende as aparências, ou pelo menos, as aparências deveriam revelar a verdadeira beleza e não o contrário.
Em seu livro “A República” Platão, - que, diga-se de passagem, tem um título muito inadequado para o objeto da obra, eis que Politéia, deveria ser traduzido como “Sobre a Civilidade” e não “A república”, - busca demonstrar como é possível a formação pessoal do homem, elevado ao mais alto grau de civilidade. O livro pode ser considerado como um trabalho aristocrático, no sentido arcaico, que é a conquista da excelência humana.
Belo e excelência se encontram e os talentos servem para a conquista desta excelência e não para a falsificação do ser. Os talentos não são genéticos, ao contrário, eles são a possibilidade do Belo. Para os antigos, os talentos eram considerados presentes dos deuses no momento do nascimento e em troca dos talentos inatos, esperavam os deuses que os homens os ajudassem.
Assim, o guia para a realização dos talentos é o Belo.
Alguns, apesar das dificuldades, são capazes de realizar seus talentos. Quando olhamos para personalidades como as de Einstein, Freud, Kant ou mesmo Spinoza, não vemos outra coisa que não o Belo, ou seja, a realização humana em sua mais elevada forma. Michkin, o personagem de Dostoievski, apesar de construído, é outro exemplo de beleza no sentido platônico. Em comum, todos são exemplos de seres que tinham imensa paixão pelo que faziam e não temiam seus talentos, por mais tormentosos que se mostrassem.
O que então nos diferencia de personagens e personalidades como as acima mostradas? Nós temos talentos, todavia, não somos educados para realizá-los.
Em Platão, os talentos foram dados ao homem para que este pudesse se tornar cada vez mais Belo. Todavia, os verdadeiros talentos só se expressam quando o sujeito chega a conclusão de que está aqui apenas para melhorar o mundo em que vive e nunca o contrário.
A beleza, todavia, não está em olhar apenas para si, mas para ver (amar) também o outro. O primeiro passo é reconhecer-se a si mesmo como Belo, para em um outro momento, ter a capacidade (possibilidade) de ver no outro um alguém tão Belo quanto a si mesmo.
A mais elevada tecnologia humana é o Belo. Não adianta dar conhecimento ao homem sem ensiná-lo à busca do Belo. O conhecimento é instrumento e não o Belo em si. A educação em nada ajuda os indivíduos a descobrir os seus talentos. Confundimos o homem com sua profissão e nesta brincadeira esquecemos de construir o homem (o verdadeiro).
A sociedade grega arcaica vislumbrava o ideal do homem como aquele movido por uma paixão, ou seja, por Eros (a paixão criadora). Esta paixão criadora se chamava daemon e era justamente o que os mestres precisavam descobrir nos alunos e ajudar a desenvolver.
Neste sentido, Daemon é um guia mágico que faz com que o sujeito escolha aquilo que lhe apaixona, mas que exige, ao mesmo tempo, que ele caminhe em busca de sua realização. É aquela energia incita em cada ser que o faz tomar grandes decisões na vida, ainda que difíceis (é irracional para os modernos, mas basta ser educado para se escutar a voz do daemon e, consequentemente, se guiar pelo Belo).
Estranho que o daemon dos antigos virou demônio na tradição judaico cristã, pois as nossas tradições não gostam de pessoas que pensam por conta própria, e valorizar o daemon significa pensar constantemente em si, consultando a si mesmo e, deste modo, valorizando e compreendendo o outro.

Saturday, June 12, 2010

"A Vida dos Outros"

Outro dia fui dar uma palestra sobre o filme “A Vida dos Outros” e só tenho uma coisa a dizer sobre o mesmo: é fantástico!
Para além da beleza plástica e da situação histórica conflituosa, o filme mostra a transformação de um homem por meio da arte.
O filme se passa em Berlim Oriental no ano de 1984 e nos coloca frente a um homem dotado de uma “razão puramente estatal”, para o qual a irracionalidade advém do não cumprimento da norma.
No momento histórico em que vive o protagonista não havia espaço para a amizade ou a simpatia, como queria David Hume. Mas apenas para a vigília constante da vida privada de todos, em um ambiente em que a desconfiança se mostra como o modo eficaz de viver e pertencer ao Estado.
O protagonista é um homem plenamente adaptado a esta “razão de estado”, que não merece crítica: um legítimo cumpridor do seu dever!
Hannah Arendt estudou a banalidade do mal e o filme mostra exatamente o contrário, ou seja, a também banalidade do bem. Nos convida a ver que em um ambiente absolutamente hostil e de vigilância rigorosa é possível resistir. Não se trata de uma resistência armada ou formada por grupos de oposição, mas tão-somente uma oposição solitária e formada por pequenos gestos.
O homem que resiste àquele sistema totalitário é um homem comum: dono de uma vida monótona e mecanizada. E não busca com o seu gesto salvar o mundo, mas apenas outro homem.
Fica a pergunta acerca das razões que motivaram o protagonista a abandonar a “racionalidade de estado” e passar a adotar uma “racionalidade crítica”. A resposta não é tão simples quanto parece em um primeiro momento: quem sabe tenha visto que razões sórdidas estavam por detrás das ordens de seus superiores; ou quem sabe a simpatia que passou a nutrir por suas “vítimas”; ou, ainda, tenha sido a leitura de Brecht; ou a sonata para “Um bom homem”; ou a comparação entre o vazio de sua existência e os ruídos de amores, conversas, idéias que havia nas vidas vigiadas ...
Eu fico com todas as respostas juntas! É possível compreender a mudança de atitude do protagonista a partir de uma análise de sua própria vida mecânica: irrelevante e deserta de afetos. De modo inesperado, “as vidas dos outros”, passa a ser sua própria vida – ou sua sede de vida, trazendo a ele a vontade de fazer diferente, de ter um ato pelo qual possa sentir que viver valeu a pena.
Houve a destruição da “razão de Estado” pela “Beleza”, entendida aqui no sentido platônico, enquanto o nobre, o bom e o justo, nos demonstrando que para se viver uma boa vida não é preciso pensar em idéias transcendentais de liberdade, ou no imperativo categórico, ou mesmo no Reino dos Fins, tudo o que é preciso é a experiência da verdadeira “Beleza” e a abertura para as lições que ela pode ensinar!

Sunday, June 06, 2010

Metade

E para quem, como eu, acha que a poesia aparece em todos os lugares, aqui vai mais uma:

"Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito nao me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.

Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que o homem que eu amo seja sempre amado, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a uma mulher inundada de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a platéia e a outra metade, a canção.

E que a minha loucura seja perdoada.
PORQUE METADE DE MIM É AMOR E A OUTRA METADE ... TAMBÉM.

(Oswaldo Montenegro)

Tuesday, December 16, 2008

TABACARIA

A poesia que segue abaixo é, em minha opinião, uma obra prima da lingua portuguesa! Vale a pena ler!!!



TABACARIA
Não sou nada.Nunca serei nada.Não posso querer ser nada.À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é(E se soubessem quem é, o que saberiam?),Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,E não tivesse mais irmandade com as coisasSenão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da ruaA fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitadaDe dentro da minha cabeça,E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.Estou hoje dividido entre a lealdade que devoÀ Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.A aprendizagem que me deram,Desci dela pela janela das traseiras da casa.Fui até ao campo com grandes propósitos.Mas lá encontrei só ervas e árvores,E quando havia gente era igual à outra.Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!Gênio? Neste momentoCem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,E a história não marcará, quem sabe?, nem um,Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.Não, não creio em mim.Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?Não, nem em mim...Em quantas mansardas e não-mansardas do mundoNão estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,E quem sabe se realizáveis,Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?O mundo é para quem nasce para o conquistarE não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,Ainda que não more nela;Serei sempre o que não nasceu para isso;Serei sempre só o que tinha qualidades;Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,E ouviu a voz de Deus num poço tapado.Crer em mim? Não, nem em nada.Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardenteO seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.Escravos cardíacos das estrelas,Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;Mas acordamos e ele é opaco,Levantamo-nos e ele é alheio,Saímos de casa e ele é a terra inteira,Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;Come chocolates!Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.Come, pequena suja, come!Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca sereiA caligrafia rápida destes versos,Pórtico partido para o Impossível.Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,Nobre ao menos no gesto largo com que atiroA roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!Meu coração é um balde despejado.Como os que invocam espíritos invocam espíritos invocoA mim mesmo e não encontro nada.Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,Vejo os cães que também existem,E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o raboE que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soubeE o que podia fazer de mim não o fiz.O dominó que vesti era errado.Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.Quando quis tirar a máscara,Estava pegada à cara.Quando a tirei e me vi ao espelho,Já tinha envelhecido.Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.Deitei fora a máscara e dormi no vestiárioComo um cão tolerado pela gerênciaPor ser inofensivoE vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,Calcando aos pés a consciência de estar existindo,Como um tapete em que um bêbado tropeçaOu um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltadaE com o desconforto da alma mal-entendendo.Ele morrerá e eu morrerei.Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,E a língua em que foram escritos os versos.Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como genteContinuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,Sempre uma coisa tão inútil como a outra,Sempre o impossível tão estúpido como o real,Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.Semiergo-me enérgico, convencido, humano,E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-losE saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.Sigo o fumo como uma rota própria,E gozo, num momento sensitivo e competente,A libertação de todas as especulaçõesE a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeiraE continuo fumando.Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeiraTalvez fosse feliz.)Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universoReconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

(Álvaro de Campos, 15-1-1928 ) (ou Fernando Pessoa)

Friday, August 15, 2008

POLITICAMENTE (IN)CORRETA (COMIGO MESMA)


Politicamente (in)correta


Desde criança a recomendação era: não ingerir álcool, não comer muito, não falar alto, andar como se desfilasse, não roer unha, tirar notas boas e buscar a perfeição em tudo o que se faz.

Na adolescência iniciaram-se os questionamentos: revolta de tanta perfeição, chateação contida, nunca dita...engasgo.

Mulher - achando que tudo ia melhorar - não tive muito a comemorar: obrigações, afazeres, casa, trabalho, relações afetivas, sociedade, e um amontoado de coisas a assolar (e enrolar) o já caótico mundo da infância.

Hoje sou revolta plena. Associada somente a mim, e com absoluta certeza da fugacidade da vida, tenho como guia meu “eu”. Evito a dor do outro, cuido dos corações que me cercam, conforto, auxilio, amo...mas não me esqueço como antes!

...É ISSO...NADA ALÉM...

Eu prometo não te prometer nada
Nem te amar pra sempre Nem não te trair nunca Nem não te deixar jamais.
Estou aqui, te sinto agora Sem mascaras, nem artifícios.
Enquanto for bom para os dois Que o outro fique.
Nada a te oferecer exceto eu mesma Nada a te pedir exceto que seja...
Quem tu és.
Tuas coisas continuam tuas...E as minhas, minhas.
Não nos mudaremos na loucura...
De tornar eterno, Esse breve instante que passa.
Se crescermos juntos, Ainda que em direções opostas Saberemos nos amar como somos
E não teremos medo ou vergonha... Um do outro.
Não te prendo e não permito... Que me prendas.
Nenhuma corrente pode deter, O curso da vida. Quero que sejas livre como eu...
Própria quero ser.
Companheiros de uma viagem Que está começando...

Monday, August 20, 2007

Infinito Delimitado


Sempre dois

Ambiguidade que não cessa

Uma alma feita para infinito

Em um corpo transitório, falível.


Eterno drama do bicho homem

Vôo sem asas

Dura condição do ser

Condenado a abrigar em si o infinto.


Sonhar com o impossível

E ser limitado pelo necessário

Resignar OU
Revoltar-se,

Negar sua humanidade:

Melhor viver enganado a ser prisioneiro de si mesmo.

Friday, April 20, 2007

A grama é barro em todo lugar


Não me lembro se minha mãe ou minha avó que sempre dizia que "a grama do terreno do vizinho sempre parece mais verde, seja para o bem, seja para o mal". Confesso que acho engraçado o fato dos noticiários brasileiros darem tanta ênfase ao massacre ocorrido em uma Universidade na Virgina, enquanto no país que moramos tal acontecimento ocorre diuturnamente.


Se nos EUA tal ato ocorre uma vez por ano, a "banalização do mal" daqui tem seus relatos diários. Por enquanto não aconteceu ainda de um único estudante ingressar em uma escola e sair disparando tiros, em compensação temos o caso do estudante de medicina que ingressou em um cinema matando e ferindo vários; temos a polícia invadindo favelas e deixando seu rastro de sangue e desrespeito ao cidadão; temos gangues rivais invadindo morros vizinhos e dizimando os "adversários"; temos assaltos banais, rotineiros e impunes, nos quais a vítima morre sem nem mesmo entendender que estava sendo roubada; temos quadrilhas estruturadas e espalhadas por todos os cantos do poder, a disseminar a corrupção e a violência; enfim...


Devemos parar de preocupar com a "grama verde do vizinho" e olhar para a realidade do nosso país, pois o fato de um estudante ter matado vários outros nos EUA não nos faz menos violentos ou mais civilizados!