Saturday, July 29, 2006

Deus, novamente a bola da vez...


Novamente Deus é "bola da vez". Na Idade Média Ele justificava a necessidade da fogueira, do esbulho e da opressão, nos tempos atuais, passou a justificar o que eu considero a mais profunda barbárie: a guerra.

Eu não acredito nos jornais! Precisava ver de perto, aliás, sentir de perto, para, assim, constituir alguma propriedade em meu falar. Como não posso, fico aqui filtrando o que me chega e tentando entender o ininteligível.

O Holocausto, não sei por quais razões, eis que não tenho parentesco algum com os judeus, sempre foi algo que me incomodou. Desde o momento que tomei conhecimento daquelas atrocidades, nunca mais me vi possibilitada de ignorá-las. Sempre que me perguntam sobre algo comovente, que me faz parar para pensar, o holocausto (com letra minúscula mesmo), é a primeira coisa que vem a cabeça: eu não consigo acreditar que tudo aquilo aconteceu e NINGUÉM fez absolutamente nada!

Chego a infeliz conclusão que as pessoas que viveram naqueles tempos não se davam conta do horror e, assim, continuavam suas vidas como nada houvesse de estranho ou impróprio. E o mais terrível é que estou quase admitindo que estamos vivendo uma fase bem parecida, só que, como estamos inseridos no contexto histórico, não temos habilidade para ver e, assim, fazer parar antes que a geração futura nos olhe como eu olho para a passada: como passivos que só se preocupavam consigo.

Israelenses estão dizimando Palestinos et al e, em contrapartida, Palestinos et al estão dizimando Israelenses - a única novidade aqui em relação ao holocausto é a bilateralidade...

Hitler queria uma raça ariana, pois achava que esta era superior a qualquer outra; Israelenses e Palestinos et al querem território, e acreditam que em nome disto podem lançar mão de qualquer ato. A mesma intolerância que marcou o holocausto, é a viga mestra dos conflitos no Oriente Médio.

A consideração pela humanidade do outro, implica em aceitarmos a diferença que nele reside; e aceitar a diferença não significa ignorar, pois se cada um persiste em manter seu irredutível círculo de "absolutos", a diferença nunca será vencida e o fim será a guerra.

E quando ela acontece, Deus é chamado para legitimar o conflito que ocorre unicamente em função da intolerância. Dá-se o nome de santa a uma guerra que luta apenas pela universalização, seja dos valores, da cultura, do consumo ou da própria crença. Uma guerra na qual ser compreensivo e aceitar o diálogo, a despeito das discordâncias ou antagonismos, é algo que chega a parecer surreal...

Monday, July 17, 2006

A vida é cheia de som e fúria



Ontem fui assistir a uma peça que realmente vale a pena (dentre as tantas que não valem). Foi apresentada no Grande Teatro do Palácio das Artes e se chama "A vida é cheia de som e fúria".

É uma verdadeira viagem musical pelo pop rock internacional dos anos 70 e 80. Conta a história de um DJ londrino que revive seus amores e as músicas que marcaram o tempo destes relacionamentos. Além de oferecer diálogos extremamente ricos, a peça é uma verdadeira aula sobre o rock.

O ator brilha no palco e tem uma atuação ímpar. O cenário e os efeitos visuais são ótimos e as músicas...perfeitas!

A peça faz parte do circuito cultural do Banco do Brasil, que está trazendo a Minas no mês de julho, além do dito espetáculo, várias exposições, como a de Picasso, shows, mostras de cinema e entretenimento. É admirável ver como o Palácio das Artes estava lotado ontem...dá orgulho de ser mineira!

Friday, July 14, 2006

Dono da verdade (existe verdade?)


Tem horas que eu me espanto com o ser humano! Ontem fui fazer uma audiência e fiquei constrangida pela forma como o nobilíssimo juiz tratou as testemunhas.

Era uma ação de usucapião e eu precisava demonstrar que o tempo de permanência do meu cliente no imóvel, somado com as posses anteriores, perfazia o lapso temporal exigido pela lei para concessão do direito. Arrolei três testemunhas que haviam sido posseiras do imóvel antes do meu cliente. Eram três senhores, com idades variando entre 75 e 69 anos.

Como é do conhecimento de qualquer pessoa dotada de inteligência mediana, a idade faz com que a elaboração do raciocínio se torne mais lenta e, em alguns casos, um pouco mais confusa. Entretanto, o excelentíssimo juiz de direito da comarca de Betim/MG não deve ter conhecimento de tal fato, uma vez que tratou os três senhores de forma vergonhosa.

Disse a um deles (o de 75 anos) que ele não tinha que "achar" nada, pois ali não era mesa de "buteco" e, portanto, que ele deixasse suas mentiras para tais ocasiões. A outro (o de 71 anos), de modo áspero e rude, ordenou que se atesse a pergunta feita e parasse de fazer rodeios.

Nestas horas eu perco um pouco a esperança no homem...o mínimo que podemos esperar de juiz é compreensão, pois ele foi o "eleito" para dirimir conflitos e não os ignorar ou, pior ainda, os criar...

Saturday, July 01, 2006

Tolerância: o caminho para a paz



O homem desenhado por Dostoiévski no livro "Memórias do Subsolo" nos demonstra o tamanho da pretensão humana em estabelecer um ideal de justiça que se queira válido para todos. Freud, citado por Eugène Enriquez, também nos dá um esboço parecido sobre o tema:

“o homem é, com efeito, tentado a satisfazer sua necessidade de agressão à custa do próximo, a explorar o seu trabalho sem compensá-lo, a usá-lo sexualmente sem seu consentimento, a apropriar-se de seus bens, a humilhá-lo, a impor-lhe sofrimentos, a martirizá-lo e a matá-lo. Homo homini lupus: quem teria coragem, diante de todos os ensinamentos da vida e da história de contrariar esse adágio?”[1]

É este homem, tanto o da literatura dostoieviskiana, quanto o dos estudos psicanalíticos de Freud, que tenta buscar em suas teorias um ideal absoluto de bom, de justo, de virtuoso, entretanto, nem ele mesmo sabe se seria verdadeiramente capaz de se comportar conforme tenta prescrever.
Aceitar o relativismo de valores proposto pelo Jurista e Filosofo Hans Kelsen é o mesmo que afirmar que todo e qualquer princípio de justiça pode e deve ser aceito, pelo menos a priori. Aquele que concebe um ideal absoluto de justo estará fazendo parte da crença ingênua de que somente seu ponto de vista ou seus valores são parte da história cultural de todo um povo. Não admitir o pluralismo de valores e, conseqüentemente dos princípios de justiça é, em última instância, negar a própria essência contraditória do homem.
Ser relativista no que se refere aos princípios de justiça é ser tolerante e a tolerância impõe que formalmente devemos respeitar a diferença, ainda, e principalmente, quando ela não é por nós compartilhada.
Recusar a diferença seria o mesmo que cair em um narcisismo mortífero e destrutivo, no qual o outro deixaria de ser o nosso espelho, e com isto nossa medida, para tornar-se um inimigo a ser combatido. Se todo ser humano deve contribuir para a vida do espírito, conforme acreditava Freud, sob pena “de cair vítima de uma doença esterelizante e mutiladora ou, pior ainda, de tornar-se o arauto do mais radical, deve ver no outro um ser que, embora diferente,”[2] é indispensável à sua própria existência.
Um princípio de justiça relativo é aquele que permite o pluralismo por meio da tolerância: que prefere Eros a Tanatos. E este é o caminho apontado por Kelsen, o caminho que devemos seguir.

[1] NOVAES, Adauto (Coord.). Civilização e Barbárie. p.53.
[2] NOVAES, Adauto (Coord.). Ob. cit. p.53.