Saturday, June 12, 2010

"A Vida dos Outros"

Outro dia fui dar uma palestra sobre o filme “A Vida dos Outros” e só tenho uma coisa a dizer sobre o mesmo: é fantástico!
Para além da beleza plástica e da situação histórica conflituosa, o filme mostra a transformação de um homem por meio da arte.
O filme se passa em Berlim Oriental no ano de 1984 e nos coloca frente a um homem dotado de uma “razão puramente estatal”, para o qual a irracionalidade advém do não cumprimento da norma.
No momento histórico em que vive o protagonista não havia espaço para a amizade ou a simpatia, como queria David Hume. Mas apenas para a vigília constante da vida privada de todos, em um ambiente em que a desconfiança se mostra como o modo eficaz de viver e pertencer ao Estado.
O protagonista é um homem plenamente adaptado a esta “razão de estado”, que não merece crítica: um legítimo cumpridor do seu dever!
Hannah Arendt estudou a banalidade do mal e o filme mostra exatamente o contrário, ou seja, a também banalidade do bem. Nos convida a ver que em um ambiente absolutamente hostil e de vigilância rigorosa é possível resistir. Não se trata de uma resistência armada ou formada por grupos de oposição, mas tão-somente uma oposição solitária e formada por pequenos gestos.
O homem que resiste àquele sistema totalitário é um homem comum: dono de uma vida monótona e mecanizada. E não busca com o seu gesto salvar o mundo, mas apenas outro homem.
Fica a pergunta acerca das razões que motivaram o protagonista a abandonar a “racionalidade de estado” e passar a adotar uma “racionalidade crítica”. A resposta não é tão simples quanto parece em um primeiro momento: quem sabe tenha visto que razões sórdidas estavam por detrás das ordens de seus superiores; ou quem sabe a simpatia que passou a nutrir por suas “vítimas”; ou, ainda, tenha sido a leitura de Brecht; ou a sonata para “Um bom homem”; ou a comparação entre o vazio de sua existência e os ruídos de amores, conversas, idéias que havia nas vidas vigiadas ...
Eu fico com todas as respostas juntas! É possível compreender a mudança de atitude do protagonista a partir de uma análise de sua própria vida mecânica: irrelevante e deserta de afetos. De modo inesperado, “as vidas dos outros”, passa a ser sua própria vida – ou sua sede de vida, trazendo a ele a vontade de fazer diferente, de ter um ato pelo qual possa sentir que viver valeu a pena.
Houve a destruição da “razão de Estado” pela “Beleza”, entendida aqui no sentido platônico, enquanto o nobre, o bom e o justo, nos demonstrando que para se viver uma boa vida não é preciso pensar em idéias transcendentais de liberdade, ou no imperativo categórico, ou mesmo no Reino dos Fins, tudo o que é preciso é a experiência da verdadeira “Beleza” e a abertura para as lições que ela pode ensinar!

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